Divagando

                                                      Divagando

     Me reviro na cama. Uma olhada no relógio me diz que são três horas da manhã. Mais uma noite de insônia, pela qual às vezes acho que uma xícara de café não vale a pena.Pior do que você ter sono e não poder dormir, é precisar dormir e não ter sono. Desisto de tentar. A noite está quente e silenciosa, e me ponho a vagar pela casa.
     Abro a janela da sala de frente ao bosque. A luz laranja do poste incide sobre o mato e a rua, formando um cenário de calma e mistério. O céu está nublado e não é possível enxergar estrelas. Clima perfeito. Ouço ao longe o som de pássaro, um canto longo e triste, que brota no meio das sombras quebrando o inquietante silêncio da noite nublada.
     Me perco em pensamentos e recordações, lembranças de tempos atrás que tenho plena consciência que nunca mais se repetirão, tempos de quando era criança e que neste lugar vivi. Presenças que já não sinto, permanecem vivas apenas no espírito e entrelaçadas no limbo de sentimentos do coração. No declive da rua à direita, é onde descansa meu passado. Amizades que ali cultivei e a velha figueira que já protegi da geada. Bons tempos, quando ainda não conhecia as desventuras do mundo.
     Desperto dos meus devaneios por um farfalhar no meio das árvores sombrias. Do alto da imponente peroba um vulto negro se mostra à luz; o pássaro cinza sobrevoa a orla do bosque e segue em direção ao horizonte. O acompanho com o olhar e noto os primeiros raios de sol despontando da fina linha que divide céu e terra. Minhas pálpebras de repente ficam pesadas e o raciocínio mais lento. Fecho a janela, é a minha deixa. Volto para cama e deito, o aconchego das cobertas é convidativo, e ainda distante, o triste canto do pássaro embala meu adormecer.